A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) deferiu
medida cautelar contra o governo brasileiro por violações no sistema
socioeducativo cearense contra os direitos dos adolescentes privados de
liberdade. A CIDH notificou oficialmente o governo brasileiro e concedeu as
medidas cautelares pedidas pela ANCED, Fórum DCA e CEDECA Ceará protocolada em
março de 2015, denunciando as gravíssimas e recorrentes violações de direitos
no Sistema Socioeducativo.
A denúncia à Comissão decorre de um contexto de crise sem
precedentes no sistema, agravado nos últimos meses de 2015, com episódios
continuados de violência que chegaram a resultar na morte de um adolescente em
6 de novembro, atos de torturas e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes;
isolamento prolongado e até supostos abusos sexuais; em fugas de grandes
proporções e destruição de Unidades de Internação.
O Estado deve adotar as medidas imediatamente e, em até 15
dias a contar da data do recebimento do comunicado, informar o seu cumprimento
à CIDH. A intervenção do Sistema Interamericano em um Estado representa, além
das possibilidades diversas de sanção, sobretudo a constatação pública e em
âmbito internacional, de práticas violadoras de direitos humanos, seja por ação
ou omissão desse Estado. De acordo com o regulamento da CIDH, o mecanismo de
medidas cautelares é utilizado em situações de gravidade ou urgência e a
decisão pela medida se dá, unicamente, a partir da análise de situações que
possam significar um dano irreparável às pessoas.
No documento – referente a Resolução n°71/2015 -, a Comissão
decide que o governo brasileiro:
a) Adote as medidas necessárias para salvaguardar a vida e a
integridade pessoal dos adolescentes detidos no Centro Educacional São Miguel,
no Centro Educacional Dom Bosco e no Centro Educacional Patativa do Assaré do
estado do Ceará, e aqueles transferidos provisoriamente ao Presídio Militar de
Aquiraz, de acordo com as normas internacionais e à luz do interesse superior
da criança;
b) Forneça condições adequadas em termos de infraestrutura e
pessoal suficiente e idôneo, bem como nos aspectos relativos a higiene,
alimentação, saúde, educação e tratamento médico, que garantam a proteção da
integridade pessoal e da vida dos adolescentes;
c) Assegure a implementação de programas e atividades
idôneas e adaptadas aos adolescentes para garantir o seu bem-estar e a sua
integridade física, psíquica e moral, de acordo com as normas estabelecidas
pelo direito internacional dos direitos humanos para adolescentes privados de
liberdade;
d) Implemente medidas idôneas que garantam as condições de
segurança nos centros de detenção em que se encontram os adolescentes
beneficiários destas medidas cautelares, seguindo as normas internacionais de
direitos humanos e resguardando a vida e a integridade pessoal de todos os
adolescentes;
e) Execute ações imediatas para reduzir substancialmente o
número de detidos nessas unidades e evitar as condições de superlotação e o uso
de celas de isolamento no interior das unidades;
f) Coordene as medidas a serem adotadas com os beneficiários
e os seus representantes;
g) Informe sobre ações adotadas com vistas à investigação
dos supostos fatos que levaram à adoção desta medida cautelar e assim evitar a
sua repetição.
Em abril e agosto, a Comissão notificou o Estado a dar
informações sobre o caso. Nas duas ocasiões o governo solicitou à CIDH uma
prorrogação de prazo. Em abril, julho, setembro e outubro, as organizações
peticionarias enviaram atualizações para a Comissão.
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
A CIDH, criada em 1959, é o órgão principal e autônomo da
Organização dos Estados Americanos (OEA) que, juntamente com a Corte
Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH), compõe o Sistema Interamericano
de Proteção dos Direitos Humanos (SIDH).
Com atribuições sancionatórias, o Sistema Interamericano tem
atribuições de promoção e proteção dos direitos humanos no continente
americano.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que entrou em
vigor em 1978 e foi ratificada por 24 países, dentre estes o Brasil, define os
direitos humanos que os Estados ratificantes se comprometem internacionalmente
a respeitar e dar garantias para que sejam respeitados. A Convenção, além de
criar a Corte Interamericana de Direitos Humanos (de 1979), define atribuições
e procedimentos adicionais para a CIDH.
Intervenções do Sistema Interamericano
Esta será a terceira intervenção do Sistema Interamericano
apenas no estado do Ceará. Em 2006, no caso Damião Ximenes, torturado e assassinado
no dia 04 de outubro de 1999, quando estava internado na Casa de Repouso
Guararapes, filiada à época ao Sistema Único de Saúde, no município de
Sobral/CE. Era portador de transtorno mental – com sintomas de esquizofrenia.
A Corte deliberou o pagamento de uma indenização, como forma
de reparar o sofrimento da família; uma investigação completa e imparcial dos
fatos e a adoção de políticas públicas efetivas na área de saúde mental. O caso
Damião Ximenes foi o primeiro contra o Brasil a tramitar na Corte
Interamericana, tornando-se referência para a proteção dos direitos humanos no
Brasil.
Já em 2001, a CIDH responsabilizou o Estado brasileiro por
omissão, negligência e tolerância no caso Maria da Penha. Em 1983, a
biofarmacêutica, sofreu dupla tentativa de homicídio por parte de seu então
marido dentro de sua casa, em Fortaleza/CE. Passados mais de 15 anos do crime,
apesar de haver duas condenações pelo Tribunal do Júri do Ceará (1991 e 1996),
ainda não havia decisão definitiva no processo e o agressor permanecia em
liberdade.
A expectativa dos peticionários é que, como nos casos de
Damião Ximenes – que foi referência para a reformulação de políticas de saúde
mental e para a construção da reforma psiquiátrica – e Maria da Penha – que
desencadeou a aprovação de uma legislação específica para mulheres em situação
de violência doméstica -, a intervenção do Sistema Interamericano aponte uma
alteração estrutural no sistema socioeducativo cearense.
Fonte: Ceará News 7
http://iguatu.net/novo/wordpress/302742/brasil-e-notificado-por-violacao-grave-dos-direitos-de-adolescentes-privados-de-liberdade-no-ceara/
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