ESSE É UM CASO CLÁSSICO DO DESCONHECIMENTO DA LEI.
O transporte até a DCA, no compartimento fechado da viatura, fere a legislação. Jovem teve uma crise nervosa depois de não conseguir atendimento em hospital.
Dois PMs levam a menina até a viatura: o procedimento correto seria colocá-la nos bancos traseiros do veículo
Uma adolescente de 15 anos,
grávida de oito meses, foi ilegalmente transportada no cubículo de um camburão
da Polícia Militar, da 6ª DP, no Paranoá, para a Delegacia da Criança e do
Adolescente (DCA), na Asa Norte. A cena flagrada pela reportagem do Correio, no
início da noite de ontem, durou pelo menos cinco minutos. A jovem gritava e
chorava, enquanto tentava se desvencilhar de três PMs. A mãe, desesperada,
berrava. “Vocês estão machucando ela (sic). Não podem fazer isso. Ela é menor
de idade. Solta ela”, vociferou. Os militares tentavam convencer a jovem de 15
anos a entrar na viatura. Quando a soltaram, ela caminhou rápido rumo ao portão
da delegacia do Paranoá. “Ela fugiu de novo!”, avisou um dos PMs. Os outros
dois foram atrás e a seguraram pelos braços. Ela jogava o corpo para frente e
para trás. Batia o pé e dizia que não iria para a delegacia.
Os
policiais não conseguiram convencer a jovem a entrar no banco de trás da
viatura. Um deles a acusou de tê-lo mordido. Depois de muita insistência, um
dos PMs ordenou: “Algema ela”. Com dificuldade, a algemaram e insistiram para
que ela entrasse no banco de trás. A adolescente continuava gritando e chamando
pela mãe, que implorava para ir junto. “Não temos espaço. A senhora arruma
outro jeito de chegar lá”, avisou um deles.
Os militares cederam aos apelos da mãe e permitiram que ela acompanhasse a
jovem na viatura até a DCA. Nem isso acalmou a adolescente. Os PMs chegaram a
pegá-la no colo e, finalmente conseguiram fazê-la entrar. De nada adiantou. Ela
saiu pela outra porta, mesmo algemada. Então, os policiais tomaram uma nova
decisão drástica e ilegal. “Bota no camburão”, determinou um deles.
A mãe assistia a tudo andando de um lado para outro. Passava as mãos pelos
cabelos, agitava os braços e repetia que eles iam machucar a filha. Ao mesmo
tempo, gritava para ela não resistir. “Entra logo, acaba com isso”, pedia a
mulher. Algemada, a jovem grávida foi colocada no camburão, depois de muita
luta. E o grupo seguiu para a DCA.
De acordo com o promotor da Infância e da Juventude Raílson Américo Barbosa de
Oliveira, o procedimento dos policiais, ao algemarem a adolescente, não
contraria a legislação, já que houve resistência e perigo a terceiros. “Mas um
adolescente não pode ser colocado e transportado no cubículo de uma viatura.
Isso é ilegal”, apontou o promotor, citando o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) (leia O que diz a lei).
Demora no atendimento
A adolescente espera um menino, David, que deve nascer em dezembro. Ela teve
seu momento de fúria, primeiro, no Hospital Regional do Paranoá, onde quebrou
um computador e teria agredido uma vigilante. Segundo um policial que falou com
a reportagem, a jovem perdeu o controle ao descobrir que teria que refazer a
ficha de atendimento e voltar para o fim da fila. “Quando a médica a chamou,
ela não estava na sala de espera. O procedimento, nesse caso, é dar baixa no
sistema e o próximo paciente ser atendido. Quando ela voltou e descobriu que
teria que fazer nova ficha e ir para o fim da fila, começou a dar trabalho.
Xingar e dizer que ia quebrar tudo.”
Mara* (nome fictício em respeito ao ECA), a mãe da menina, é auxiliar de
serviços gerais. Disse que a filha sentiu dores durante a madrugada e foi
orientada por um médico do Samu a tomar paracetamol. Como continuou a sentir
dores, foi ao hospital logo cedo. Teria chegado por volta das 8h. Às 15h, com
fome e sem atendimento, decidiu ir à casa da sogra almoçar. “Fiquei lá e vi quando
ela foi chamada. Liguei para ela voltar correndo. Mas, quando chegou, o nome já
tinha sido retirado do sistema. Ela refez o cadastro e esperou mais de duas
horas. Ficou muito nervosa. Sentou-se na sala de espera e a vigilante a mandou
sair. Quando vi, as duas estavam atracadas”, relatou Mara.
A jovem é acusada de cinco atos infracionais análogos aos crimes de
resistência, lesão corporal (três vezes), ameaça, dano qualificado e desacato
(duas vezes). Às 20h30, uma ambulância do Samu chegou à DCA para levar a jovem
ao hospital e, depois, ela seguiria para o Instituto de Medicina Legal (IML),
onde passaria por exame de corpo de delito. Um dos policiais justificou a ação.
“Foi um caso excepcional. Ela representava risco à própria integridade física e
continuou a praticar o delito ao agredir novamente a vigilante.”
Em nota, a Secretaria de Saúde confirmou a versão do policial ouvido pela
reportagem sobre o rito de atendimento. A médica que recebeu a adolescente
também está grávida e trabalha no hospital há seis anos. Ela ficou assustada
com a confusão provocada pela jovem. “Ela arrancou o computador da sala de
triagem e, quando a vigilante chegou, a agrediu. A mãe dela segurou a vigilante
para que a adolescente a atacasse. Mandei chamar a polícia”, disse a profissional,
que preferiu não se identificar. O Correio tentou entrar em contato com o
comando da Polícia Militar, mas não obteve retorno até o fechamento desta
edição.
Colaborou Ana Pompeu
O que diz a lei:
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não proíbe expressamente o uso de
algemas em jovens infratores, mas o artigo 178 diz que “o adolescente a quem se
atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em
compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua
dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena
de responsabilidade”.
Os militares cederam aos apelos da mãe e permitiram que ela acompanhasse a jovem na viatura até a DCA. Nem isso acalmou a adolescente. Os PMs chegaram a pegá-la no colo e, finalmente conseguiram fazê-la entrar. De nada adiantou. Ela saiu pela outra porta, mesmo algemada. Então, os policiais tomaram uma nova decisão drástica e ilegal. “Bota no camburão”, determinou um deles.
A mãe assistia a tudo andando de um lado para outro. Passava as mãos pelos cabelos, agitava os braços e repetia que eles iam machucar a filha. Ao mesmo tempo, gritava para ela não resistir. “Entra logo, acaba com isso”, pedia a mulher. Algemada, a jovem grávida foi colocada no camburão, depois de muita luta. E o grupo seguiu para a DCA.
De acordo com o promotor da Infância e da Juventude Raílson Américo Barbosa de Oliveira, o procedimento dos policiais, ao algemarem a adolescente, não contraria a legislação, já que houve resistência e perigo a terceiros. “Mas um adolescente não pode ser colocado e transportado no cubículo de uma viatura. Isso é ilegal”, apontou o promotor, citando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (leia O que diz a lei).
Demora no atendimento
A adolescente espera um menino, David, que deve nascer em dezembro. Ela teve seu momento de fúria, primeiro, no Hospital Regional do Paranoá, onde quebrou um computador e teria agredido uma vigilante. Segundo um policial que falou com a reportagem, a jovem perdeu o controle ao descobrir que teria que refazer a ficha de atendimento e voltar para o fim da fila. “Quando a médica a chamou, ela não estava na sala de espera. O procedimento, nesse caso, é dar baixa no sistema e o próximo paciente ser atendido. Quando ela voltou e descobriu que teria que fazer nova ficha e ir para o fim da fila, começou a dar trabalho. Xingar e dizer que ia quebrar tudo.”
Mara* (nome fictício em respeito ao ECA), a mãe da menina, é auxiliar de serviços gerais. Disse que a filha sentiu dores durante a madrugada e foi orientada por um médico do Samu a tomar paracetamol. Como continuou a sentir dores, foi ao hospital logo cedo. Teria chegado por volta das 8h. Às 15h, com fome e sem atendimento, decidiu ir à casa da sogra almoçar. “Fiquei lá e vi quando ela foi chamada. Liguei para ela voltar correndo. Mas, quando chegou, o nome já tinha sido retirado do sistema. Ela refez o cadastro e esperou mais de duas horas. Ficou muito nervosa. Sentou-se na sala de espera e a vigilante a mandou sair. Quando vi, as duas estavam atracadas”, relatou Mara.
A jovem é acusada de cinco atos infracionais análogos aos crimes de resistência, lesão corporal (três vezes), ameaça, dano qualificado e desacato (duas vezes). Às 20h30, uma ambulância do Samu chegou à DCA para levar a jovem ao hospital e, depois, ela seguiria para o Instituto de Medicina Legal (IML), onde passaria por exame de corpo de delito. Um dos policiais justificou a ação. “Foi um caso excepcional. Ela representava risco à própria integridade física e continuou a praticar o delito ao agredir novamente a vigilante.”
Em nota, a Secretaria de Saúde confirmou a versão do policial ouvido pela reportagem sobre o rito de atendimento. A médica que recebeu a adolescente também está grávida e trabalha no hospital há seis anos. Ela ficou assustada com a confusão provocada pela jovem. “Ela arrancou o computador da sala de triagem e, quando a vigilante chegou, a agrediu. A mãe dela segurou a vigilante para que a adolescente a atacasse. Mandei chamar a polícia”, disse a profissional, que preferiu não se identificar. O Correio tentou entrar em contato com o comando da Polícia Militar, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
Colaborou Ana Pompeu
O que diz a lei:
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não proíbe expressamente o uso de algemas em jovens infratores, mas o artigo 178 diz que “o adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade”.
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